O Marechal entre dois mundos
Paulo Avelino
ROHTER, Larry. Rondon – uma biografia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019. Tradução: Cássio de Arantes Leite. 565p.
Não sabiam bem onde estavam. Apenas que era o estado de Mato Grosso, ou talvez já Amazonas, e que estavam enfiados na selva havia 36 dias. Só tinham avançado 150 quilômetros naquele rio. Também não sabiam qual era o rio. À falta de nome chamaram-no Rio da Dúvida –nome adequado para um rio do qual se desconhecia quase tudo. Sabiam apenas que em suas frágeis canoas lutavam diariamente contra corredeiras, que já tinham comido metade das rações, que entre os membros da expedição já ocorrera um assassinato, e que um dos dois líderes delirava de malária e pedia para ser abandonado. A morte de qualquer ser humano é uma tragédia, mas a morte daquele homem seria além disso um incidente diplomático. Aquela expedição tinha nas suas mãos a vida de um ex-presidente dos Estados Unidos.
Larry Rohter morou por muito tempo no Brasil como correspondente de jornais dos EUA. Escolheu como tema uma figura mais conhecida de alguns brasileiros por ser o nome de um velho projeto do Regime Militar, que levava estudantes a trabalhar no interior, o Projeto Rondon, reeditado anos atrás. Também poucos lembram que o nome do estado de Rondônia é homenagem a ele.
Cândido Mariano da Silva Rondon adotou esse sobrenome como seu – o Rondon é de ascendência indígena. No seu nome já veio a contradição na qual se equilibrou toda a sua vida – entre a civilização dos brancos e a dos nativos, sempre a tentar integrar os mais fracos na sociedade dos mais fortes de forma a que sofressem o mínimo possível com isso.
Havia poucas oportunidades para um garoto mato-grossense nascido em 1865 e uma das poucas era o Exército. Aluno brilhante da Escola Militar, o jovem Cândido teve uma participação menor na Proclamação da República. Na Escola conheceu também a Religião Positivista, a qual seguiria por toda a vida. Sua carreira estava destinada a ser tranquila e estável quando poucos anos depois o chamaram para estabelecer linhas telegráficas cruzando florestas que o homem branco não havia cruzado. Voltou então às selvas. E descobriu que eram cheias de pessoas a quem os brancos conheciam pelo nome genérico de índios. Nascia então a sua luta de toda a vida.
O popularíssimo ex-Presidente estadunidense Theodore Roosevelt queria esquadrinhar a selva. O governo brasileiro pressentiu o perigo e chamou o já experimentado explorador Rondon para dividir a liderança do grupo – e para salvar o visitante, se necessário.
Verdadeiro pesadelo verde, oportunidades de salvamento não faltaram. Na expedição Roosevelt-Rondon sobraram fome, crime, cachoeiras, doenças. Depois de muito sacrifício os brasileiros, Rondon à frente, conseguiram fazer com que Roosevelt saísse da floresta vivo, uma proeza de não pequena dificuldade. O rio da Dúvida como homenagem se tornou rio Roosevelt.
O fim do livro trata do que ficou do Marechal Rondon. Muitas das selvas que ele esquadrinhou não mais existem. No entanto a luta pelos direitos dos povos indígenas, os quais ele tanto promoveu, continua atual e mantém a importância do seu legado.