Conversando contra a dependência

DOSMAN, Edgar J. Raúl Prebisch (1901-1986): a construção da América Latina e do Terceiro Mundo. Rio de Janeiro: Contraponto/Centro Internacional Celso Furtado, 2011. 656p.

O adolescente Raúl Federico Prebisch Linares chegou a Buenos Aires em 1918 e o livro inicia nesse momento (para ele) mágico. Não só para ele como para (quase) o país: a Argentina tinha então uma renda per capita superior à da França e à da Itália. Veio fazer parte da primeira turma de economistas da nação.

O livro do canadense Dosman acompanha Prebisch desde seus momentos de estudante solitário e disciplinado. Passa pelos primeiros empregos em associações dos donos de gado e de trigo (e donos também da Argentina), até o momento em que, nos anos trinta, torna-se gerente do recém-criado Banco Central. Nessa posição chave vivencia a (espinhosa) tarefa de administrar uma economia dependente dentro de um sistema econômico mundial em (quase) colapso.

A fragilidade econômica dos países periféricos (e a luta contra ela) marcou sua vida a partir de então. Não era um teórico – a teoria que ganhou seu nome e que advoga a industrialização da periferia não foi resultado de elucubração de biblioteca e sim uma resposta a uma vivência diária, em repartições e mesas de negociação. Demitido ilegalmente por um golpe de Estado, detestado pelo novo dono do governo (um certo coronel Perón), Prebisch aceita (quase a contragosto) um emprego na ONU, na recém-criada (e frágil) Comissão Econômica para a América Latina – a Cepal. Esta se tornaria a tribuna e o apoio de um grupo chefiado por ele que advogava a transformação econômica da região.

Uma rápida passagem malograda pelo governo argentino (em 1955) o leva de novo à Cepal e posteriormente ao mundo: os povos da Ásia e da África, recém-independentes, enfrentavam os mesmos problemas de fragilidade. E Prebisch foi escolhido o secretário-geral de um fórum para tornar o mundo mais equilibrado, a UNCTAD, a Conferência das Nações Unidas para o comércio e o desenvolvimento.

Esta biografia acompanha a trajetória de um profissional extraordinário em partes do mundo que viviam um momento de contrapé: a transformação de grandes fazendas e minas para uma produção mais diversa. A teoria tradicional (feita pelos industrializados) dizia que tais países deveriam continuar sendo fazendas e minas – e Prebisch pôde ver as consequências catastróficas de tal teoria, especialmente durante crises.

Escolheu um método para enfrentar esses problemas tão peculiar quanto os próprios. Prebisch conciliava. Um bom naco de sua vida foi gasto em rodadas de negociação. Argumentava, insistia, apresentava dados, fazia ver as vantagens para todos de um mundo menos injusto. Dois dragões sempre o espreitavam, a arrogância dos fortes e a impaciência dos fracos. Repetia que o confronto não beneficiaria ninguém, que todos deveriam ceder, assim todos ganhariam a longo prazo. E lhe puxavam o tapete, criticavam-no pelas costas (ou pela frente), não cumpriam o acordado. E ele voltava a falar, eterno buscador de consensos, lutador pela melhoria da maior parte do mundo, a parte pobre. Um bom livro para quem quer ter uma perspectiva da injustiça da economia mundial, e do (longo) caminho para solucioná-la.

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