Paulo Avelino
REMARQUE, Erich Maria. Uma noite em Lisboa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1974. 242p. Tradução de Bélchior Cornélio da Silva.
Lisboa começo dos anos 40 e dois estranhos contemplavam navios no porto. Tempos de medo: com a Europa em guerra, Portugal é um dos poucos países neutros. E para lá confluíam pessoas de todo o continente, restos de humanidade que o crime da guerra criou: gente empobrecida, perseguidos por motivos políticos, temerosos de genocídios e até alguns espiões. Vinham psicologicamente estropiados de terror e de uma maratona de obstáculos em outros países: exigências de passaportes, vistos, atestados, certidões de permanência e de bom comportamento, uma pletora de controles que visavam a convencê-los de que o humano não era nada e que frequentemente convencia. Lisboa era ponta e trampolim: de lá muitos queriam cruzar o Atlântico, geralmente para os Estados Unidos. Mas faltavam passaportes, vistos e vagas nos navios. Poucos conseguiam.
Os estranhos contemplavam os navios que os salvariam, se lá pudessem entrar. O primeiro ouviu o outro chamá-lo. Pulou de medo, pois podia ser polícia secreta, e fica claro logo nas primeiras páginas o tom do romance. A perseguição fizera daquelas pessoas uns perfeitos paranoicos. Acostumadas a revistas e interrogatórios de guardas aduaneiros, policiais ferroviários, agentes à paisana, para eles todo desconhecido era um perigo em potencial. O segundo homem disse que se chamava Schwarz, que tinha duas passagens em um navio parta Nova Iorque, que queria dá-las para o primeiro, e que em troca apenas queria que o primeiro ouvisse a sua história.
Erich Maria Remarque escreveu o primeiro best seller da era moderna, Nada de Novo na Frente Ocidental (Im Westen nichts neues) e ainda é por essa obra conhecido. Não sem certa injustiça: o autor alemão, agora profissional dos livros e morando na Suíça, escreveu uma série de livros, geralmente com guerras como pano de fundo, mas tendo como tema real o horror humano dentro dos conflitos. Escreveu Uma Noite em Lisboa no começo dos anos 60.
Schwarz contou sua história ao outro durante aquela noite em Lisboa, em lugares que se podem reconhecer vagamente como cafés e prostíbulos na Alfama, sempre saindo de um para outro quando fechava ou quando desconfiavam ser observados por alguém que podia ser polícia à paisana. Não se chama na verdade Schwarz – esse é o nome no passaporte de outra pessoa, que ele utiliza. É perseguido político pelo Nazismo, sem que se saiba maiores detalhes sobre suas convicções. Helena, sua mulher, vinha de uma família de nazistas mas os detestava. Juntos empreendem fuga rocambolesca por vários países da Europa, enganando guardas, dormindo em lugares públicos, dando nomes falsos, e passando longo tempo em igrejas e museus (pois eles têm pouca vigilância). A narrativa quase sufoca, é nervosa de tantas peripécias. Simpatiza-se facilmente com o casal, sua fragilidade e ternura.
Trata-se de leitura infelizmente atual. Infelizmente pois há quem simpatize com nazismos e fascismos. Esse livro dá face humana às suas vítimas – nós.