Padre Antônio Vieira, no seu Tempo e além dele

A carne é fraca. Mais fraco ainda é quem não come carne – esta expressão (não isenta de exagero retórico) pronunciou-a o Padre Vieira em sessão na Câmara em 1967. Trata-se de frase inteiramente de sua época, e que a transcende.

Conheci Antônio Batista Vieira em duas missas em 2002. Numa delas fez sermão sobre a primeira santa brasileira, Madre Paulina, então a ser canonizada. Depois o revi em missa no dia de meu aniversário. Perguntei se ele tinha livros, ele me respondeu quantos, e liguei aquele sacerdote ancião ao cronista que eu acompanhava no O Povo, com o banal pseudônimo de Antônio Teixeira. Fiquei de visitá-lo, em casa sítio em Messejana. Não houve tempo. Semanas depois soube de sua morte.

Anos depois encontro “Porque fui Cassado” em banca na noite de sábado no Mercado dos Pinhões. Não é dos seus principais livros. De fato, o professor, sacerdote e improvável político é mais conhecido por sua defesa dos jumentos, o que lhe valeu a (algo injusta) rotulação como humorista, e também pela confusão com o seu homônimo padre do século XVII.

Improvável político, conseguiu ser eleito, em profissão dominada por plutocratas, e ser eleito pela oposição, em tempos em que ser de oposição se tornava insulto.

Editado em 1985 pela Secretaria de Cultura do Ceará, “Por que fui cassado” reúne seus discursos entre sua posse como deputado, em março de 1967, e sua cassação, em princípios de 1969. De fato os discursos terminam antes, pelo fechamento do Congresso com o AI-5.

Um discurso parlamentar reage a uma situação de momento. Poder-se-ia pensar que seu interesse para os pósteros seja apenas de fonte historiográfica. E assim o é – em parte.

O Padre Vieira fala muito, e compreensivelmente, da Igreja. E da Igreja da sua época – tonta entre os movimentos de libertação do Terceiro Mundo, as mutações de costumes no Primeiro, e as inovações do já falecido João XXIII e do seu Concílio. De seu discurso de posse vem a frase que abre este ensaio. Frase típica – e depois renegada pela própria Igreja. Papas seguintes decidiram que a melhor forma de enfrentar o novo é rejeitá-lo. E no entanto a frase se mantém, efetiva em seu impacto.

Uma questão pode transcender ao tempo não por continuidade mas por contraste. Como ocorre a verberação aos militares, considerados pelo sacerdote como uma dupla junto com o capitalismo causando os males nacionais. Questão ultrapassada. Ou não.

Encarregado de projeto de Reforma do Ensino Superior, é quase cômico se ler sobre um conjunto de cursos tão pequeno, e o problema dos excedentes, dos que foram aprovados no exame vestibular mas que não encontravam vagas nas universidades. Hoje há vagas. Resta saber de quais cursos, em quais universidades, a qual preço, pois são quase todas pagas, e para quais oportunidade de emprego. Problemas diferentes, mesmos problemas.

Os discursos de um velho livro situam o Padre Vieira, ensaísta, humorista e erudito, homem inteiramente da sua época e que a transcende.

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