Resenha de Livro: O MUNDO DE ONTEM, de Stefan Zweig

Inquietante Semelhança

Paulo Avelino

ZWEIG, Stefan. O Mundo de Ontem – Recordações de um Europeu. Porto, Portugal: Assírio e Alvim, 2014. 524p. Tradução Gabriela Fragoso.

Fora apenas três ou quatro décadas antes, mas esse tempo relativamente curto parecia dividir o mundo em dois pedaços tão distantes como planetas em galáxias diversas. Antes, a segurança e a paz. Hoje, a perturbação e o medo.

Celebra-se Stefan Zweig no Brasil como o autor da expressão hoje um tanto desmoralizada Brasil, país do Futuro. Existe um museu dedicado a ele em Petrópolis. No entanto esse escritor profissional austríaco nascido em 1881 foi muito mais que isso. Produzia best-sellers em escala quase industrial nos anos entreguerras, principalmente biografias, que lhe trouxeram fama, dinheiro e problemas. Suas biografias do policial francês Fouché e da Rainha Maria Antonieta bateram recordes de venda. Fugido do nazismo por judeu, liberal e pacifista, Stefan Zweig pulou pelo mundo como bola de pingue-pongue em busca de segurança, até que veio dar com os costados no Brasil, em Petrópolis.

O Mundo de Ontem narra melancolias. É livro de memórias, sem dúvida, mas também de tentativa de resposta a uma pergunta – como isso pôde acontecer. Isso – o mundo se tornar um caldeirão de guerras, exílios e massacres. Zweig o escreveu por volta de 1940, pouco antes de sua morte no Brasil, e o autor vivia então uma vida tão instável que é difícil saber exatamente onde o escreveu – dividido que estava, no exílio entre Brasil, Estados Unidos e Argentina. O livro tem uma perturbadora atualidade.

O Ontem de Zweig trazia estabilidade, segurança, paz e arte – era o mundo dos europeus antes da Primeira Guerra Mundial. O padrão de vida e a saúde da população crescera constantemente nas décadas anteriores, as guerras eram eventos do passado ou das franjas do mundo, e os estudantes da Viena do então jovem Zweig podiam se dedicar a artes – teatro, romance, música, poesia. Autores europeus eram discutidos em todo o continente e os grandes atores e atrizes eram endeusados. Acreditava-se no progresso e, com seus costumeiros problemas, a vida era bela.

Em 1914 tudo começa a desabar. Aquela paz invencível se revelou frágil. Os países da Europa se jogaram nas gargantas uns dos outros e racionamentos, controles e censuras foram impostos cada vez mais contra a população civil, enquanto exércitos se matavam.

Depois da guerra os controles continuaram cada vez maiores. Atacava-se a democracia e grupos radicais pregavam o autoritarismo e o preconceito. E Stefan Zweig, glória da cultura de língua alemã, passou a ser discriminado por judeu. Perdeu sua tranquilidade, parte de sua renda, sua nacionalidade, e teve de viver entre terras estranhas como exilado. Como isso aconteceu – é o drama do livro.

Um drama talvez atual. No Brasil vivemos a redemocratização – o repúdio à violência, o aumento dos direitos sociais, a proteção às minorias. E de repente coisas que se acreditavam no passado, como as ditaduras e a tortura, passam a ser abertamente defendidas.

Como se chegou a isso? Em que ontem ficou o nosso mundo? Essas são as perguntas para Stefan Zweig naqueles tempos, e para nós hoje.

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