O Kpop e o fanatismo da proporção, ou o dia em que o BTS, o Exo e as meninas do Twice encontraram Nicômaco de Gerasa

E [ao contrário do que poderia dizer a lenda] provavelmente teriam muito a parolar. Também com Aristóteles e Kepler, em uma conversa que [podemos imaginar] se daria no bairro Gangnam em Seul, alternando o grego clássico com a curiosa liga de inglês e coreano que forma o idioma oficial dos Kpoppers.

O matemático grego Nicômaco de Gerasa viveu lá pelo ano 100 e essa razão temporal o impediu de assistir a algum espetáculo do T-ara ou do Girls´ Generation. Se os visse [no entanto] poderia cair extasiado como aqueles rapazes e moças hiperfitness literalmente corporificaram as ideias da sua Introdução à Aritmética.

O Kpop se fixa na proporção. Mais do isso, obceca-se por ela. As garotas adentram o palco, alturas semelhantes, sorrisos idênticos [com a cor do cabelo a fazer alguma diferenciação]. Formam em V, com uma na ponta. Distorcem o V, tornam-se W inverso, a música rola. O olhar do espectador pula de uma para outra sem conseguir se fixar, pois cada micromovimento é repetido por todas no mesmo microssegundo. As distâncias, o compasso da música, os ângulos de cada pirueta obedecem a inflexíveis leis matemáticas.

Leis de proporção. Para Nicômaco a Harmonia do Universo leva a concluir que tudo foi gerado de acordo com um número conceitual e imaterial, mas verdadeiro e eterna essência, que só poderia existir na mente de Deus, e do qual derivam, em um plano artístico, o tempo, o  movimento, céus e estrelas. E os números se relacionam entre si, em razões, como um meio ou terço por exemplo, e as razões também se relacionam entre elas, em proporções.

Nisso consiste o Kpop: uma festa de proporções materializada em cor, sons eletrônicos e cinturas para além de perfeitas.

Aristóteles no livro sétimo da sua Física escreveu que da Relação decorrem a beleza, a saúde, a força e todas as demais excelências corporais – e também defeitos, quando a relação se revela insatisfatória. Ou, para voltar a Nicômaco, quando um dos números envolvidos é superabundante ou deficiente.

As proporções exatas no Kpop nada têm de espontâneo. Podemos imaginar uma seleção de candidatas ou candidatos: a fita métrica a determinar implacável quem fica e quem não. Isso é o que discrepa quando se veem entusiasmados conjuntos de moças a fazer dance cover: muitas até dançam bem, mas uma é cinco centímetros mais alta, outra tem meia de dúzia de quilos a mais, outra a menos; umas morenas, outras branquíssimas e, em comparação com os conjuntos originais, sempre falta algo.

Não é certo que os rapazes do BTS tenham lido o astrônomo Kepler, mas se o tivessem, concordariam com ele que a beleza é uma razão da unidade. E o Kpop é, indubitavelmente, belo. De uma beleza peculiar, clara, estável no seu dinamismo e que leva o espectador a se focar por um espaço de tempo invariavelmente curto – o tempo de um music video. E tudo decorre das proporções. Como velhos filósofos poderiam ter dito a dançarinos moças e rapazes, em alguma lanchonete na Coreia ou em Fortaleza, se hoje vivessem.

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