Resenha de livro – O Congo: a História épica de um povo, de David van Reybrouck

Um espelho não tão distante

Paulo Avelino

REYBROUCK, David van. Congo – the Epic History of a People. Nova Iorque, EUA: HarperCollins, 2014. 639p.

O rapaz sobe ao palanque, as folhas de seu discurso na mão. Rapaz, verdadeiramente – tem 35 anos. Na sua frente, o Rei do país que até ontem colonizava o seu. Também os inimigos políticos – que dividem com ele o governo da nova república. O rapaz há poucas horas tornou-se primeiro-ministro – o mesmo tempo de duração do novo país. Discursa contra os males do colonialismo. Os presentes arregalam os olhos.

Seis meses depois os inimigos políticos assassinam Patrice Lumumba à beira de uma estrada de terra. O jovem se torna lenda, mais ainda do que quando era vivo, e um mártir da independência do Congo em relação a sua antiga metrópole, a Bélgica.

Poder-se-ia pensar em uma história do Congo como um exotismo para o leitor brasileiro. No entanto, a trajetória desse país nos pode servir de espelho, com claras diferenças, porém não tão distante.

O polígrafo belga David van Reybrouck já escreveu desde peças de teatro a ensaios políticos, e nesse volumoso livro enfrenta a história do país que o seu país, a Bélgica, já colonizou. Observe-se que há dois países chamados Congo. Aquele do livro é a República Democrática do Congo, também conhecida por Congo-Kinshasa, por ser esta cidade a sua capital.

A primeira menção escrita ao Congo consta em um papiro antigo egípcio, e o chama de “Terra dos Espíritos”. A falta de documentos escritos faz com que a narrativa passe com certa rapidez pelos séculos e chegue a aproximadamente 1870, quando os europeus começam a penetrar na região. E especialmente os europeus de um país pequeno e fraco, o Reino da Bélgica.

O livro sustenta que os primeiros exploradores e missionários não eram monstros – realmente acreditavam que a melhor coisa que podiam fazer pelas crianças negras eram tirá-las de seus pais, para ensinar-lhes cristianismo e civilização. Aos poucos o grande rio que dá nome ao país viu mais e mais barcos de homens de pele clara, a falar línguas que ninguém entendia.

Vieram em cada vez maior número, e através de uma miríade de estratagemas apossaram-se da terra, e cometeram um dos mais graves crimes da história. O chamado Estado Livre do Congo era propriedade privada do rei belga. Consistiu em vasto empreendimento de roubo e destruição para arrancar marfim e borracha barata. Terminou em 1908, deixando um Congo empobrecido e parcialmente arrasado.

Em 1960 o país fica independente, sofre o trauma do assassinato do carismático líder Lumumba, e depois cai na ditadura de Mobutu, com apoio dos EUA, que saqueou o país até os anos 90. Depois, o país é invadido por tropas ligadas a Ruanda. Pode parecer incrível, mas a pequena Ruanda é militarmente muito mais forte que o grande Congo. Com um governo fraco, sem um exército confiável, com sua infraestrutura destruída, o Congo luta até hoje.

Todos trazemos conosco um pedaço do Congo, e não é metáfora. Desmonte-se um smartphone, e ver-se-ão filamentos metálicos. São de Coltan, metal encontrado quase que só naquele país. Mais outro motivo da relevância de sua história para todos nós.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *