Paulo Avelino
Administrador
Naquele dia três de junho de 1970 adentraram o gramado da cidade mexicana de Guadalajara para um jogo contra a Tchecoslováquia onze rapazes vestidos de amarelo. O santista Carlos Alberto Torres os capitaneava, e seu companheiro de clube Pelé era o seu jogador mais prestigioso. Noventa milhões de brasileiros, ou assim dizia a propaganda ufanista, os acompanhavam de longe, pela primeira vez ao vivo, em imagens preto e branco transmitidas por um dos raros satélites da época. O país que deixaram atrás era eufórico e podre.
Eufórico – as altas taxas de crescimento da economia, as novas estradas e hidrelétricas, a virtual falta de críticas apontavam para um presente maravilhoso e um futuro melhor ainda.
Podre – meio século depois colhe-se os resultados de uma economia que cresceu concentrando renda nos ricos, de obras que destroem o patrimônio de biodiversidade e de recursos hídricos do país, e de uma mentalidade de que a força soluciona os problemas e de que a democracia não é eficiente.
Fortaleza também não era a mesma. A aparente placidez da cidade, hoje celebrada por alguns mais velhos, vinha muito mais do tamanho que de qualquer virtude dos poderes da época. Sequer se pode dizer que era a mesma cidade – tal a diferença entre uma urbe de meio milhão de habitantes para outra cinco vezes maior, que é a população hoje. A rua Coronel Jucá, ao lado do BNB Clube, era fronteira – além dela, um descampado a ladear a avenida Santos Dumont até a Cidade 2000. Uma ida do Centro até o Clube de Regatas Barra do Ceará constituía uma excursão, quase uma viagem. O mesmo clube que hoje os jovens conhecem como o CUCA da Barra.
Os onze rapazes nada sabiam disso – concentravam-se em vencer e nos dar alegrias, e o fizeram e alguns se tornaram lendas – como Tostão, Jairzinho, Gerson, Rivelino, além de Carlos Alberto e Pelé. Que as lembranças daqueles momentos na distante Guadalajara nos façam esquecer nossas mazelas. Ao menos por um momento.
Publicado no Diário do Nordeste de 04/06/2020