2023 03 28 – Kodama, improvável Antígona

Evento: Para Maria Kodama, companheira de Borges, falecida a 26/03/2023

Não conheci propriamente a Maria Kodama. Apenas a vi ao longe em uma livraria do Leblon em 2008. Simpática, pareceu-me, a tirar fotos em meio de grupos de pessoas que pediam a ela, ainda naqueles tempos pre-selfie. Uma estúpida gripe e o consequente medo de contaminá-la me impediu de trocar palavras e de tirar eu também minha foto com o último e definitivo dos avatares femininos do escritor argentino e universal Jorge Luís Borges (1899-1976).

O medo de contaminá-la – a impressão de fragilidade e delicadeza que o autor inspirava parece que em mim se transferiu para sua viúva e feroz defensora de sua obra. Artigos de obituário enfatizaram seu apelido e postura de Samurai, e não só pela ascendência japonesa. Kodama compreensivelmente acumulou inimigos – não se ganham sorrisos ao processar judicialmente ninguém, e ela distribuiu processos com prodigalidade contra qualquer um que na sua visão estivesse a violar os direitos autorais da obra de Borges.

Foi a última mulher de um autor que pouco escrevia sobre mulheres – desde a mãe que tratava o filho de 40 anos como menininho desamparado, às ferozes irmãs Victoria e Silvina Ocampo que tinham sobre ele enorme ascendência, à culta e liberada Estela Canto, uma moça que em 1940 era solteira e não era virgem e disse isso para ele – Maria Kodama fechou essa galeria, ou esse labirinto – onde sempre viveu e talvez viva sempre com Jorge Luís Borges, Antígona moderna a conduzir o seu amor cego.

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