Evento: Portugal, Brasil do meio dos anos 1970
Uma infância não é uma continuidade. Espécie de velho filme celuloide queimado, dele restam trechos que décadas depois se procura coerentizar em memórias, ou até em livros de memórias. Uma das imagens que de infância foram os cabelos brancos de Álvaro Cunhal.
Não eram sinal de decadência. Eu nem sabia quem era – aos doze anos é difícil se saber dessas coisas de adultos, quanto mais de política. Só sabia que do outro lado do mar, em Portugal, alguém se tinha revoltado contra alguém e o regime caíra. Revistas daquele 1974 mostravam fotos de tanques e cravos e nomes de até então obscuros exilados e militares lusos que de um momento a outro se catapultaram ao olho do furacão na disputa entre superpotências. Entre eles um se destacava pelo verdadeiro capacete branco que lhe envolvia a cabeça.
Pioneiro do marketing pessoal quando esse conceito nem existia, o líder comunista português tinha história lendária, pontuada, como todo bom líder comunista da época, por brigas internas, aborrecidos estudos teóricos, torturas e prisões, com direito a uma fuga espetacular a que cinema ainda precisa fazer jus. Seus livros pipocavam na única livraria subversiva de Fortaleza – comprei a “Contribuição para o Estudo da Questão Agrária” da qual, fora as menções aos latifúndios no Alentejo, não lembro de muita coisa, nem creio que tenha entendido muito.
Deixo para outros o julgamento sobre o líder luso. Para mim marcou aquele cara de fala firme e cabeleira branca. Infância é assim.