O Macarrão nos problemas da autenticidade cultural

Paulo Avelino

O turista busca o autêntico e foi isso que busquei na Sereníssima República de Veneza, hoje a cidade do mesmo nome do país Itália e acabei (creio) por encontrá-lo em um pacote de macarrão.

Nem o macarrão nem a autenticidade foram assim tão fáceis de encontrar – de fato em Veneza nada é fácil. Descemos no ponto do ônibus aquático (também conhecido pelo nome do século XIX de Vaporetto) na Ponte do Rialto, de lá se pega o cais para a direita (evitando-se o edifício comercial dos Tedescos (alemães), na primeira esquina se dobra (na que tem uma placa em homenagem ao músico Puccini), costeia-se uma igreja, dobra-se à esquerda no primeiro beco, depois à direita em outro beco, chega-se a alguma coisa quase larga o suficiente para merecer o nome de rua, pega-se esta rua à esquerda, depois esta enlarguece e no seu meio pode-se tomar como referência a estátua do dramaturgo Goldoni (um dos poucos nomes ilustres em uma terra ilustre que produziu poucos nomes individuais ilustres), a se seguir em frente se passa por uma ponte sobre um canal, e se se encostar à direita se chega à loja de pastas. Ou não. Talvez tenha confundido com a loja de máscaras, caso em que a loja de pastas fica na primeira rua à direita no lado esquerdo, ou talvez tenha confundido tudo mesmo e a tal loja seja no lado aposto, nada a ver com o que escrevi. Isso é claro depois de driblar duzentos turistas australianos, mil japoneses, cinco mil alemães e os estadunidenses não quero nem contar.

Tudo isso para comprar um pacote de Farfalline (e eu nem sabia o que era Farfalline) da fábrica Marco Zanier e o nome visto de relance entre os turistas e o medo dos batedores de carteira me deixou orgulhoso. Eu lia a “História de Veneza” de John Julius Norwich e via os sobrenomes dos Doges (líderes) da cidade a se repetirem, as mesmas famílias. Na pressa li Venier – e realmente os Venier fizeram nada menos que três Doges. Imaginei até uma doce e romântica decadência familiar, do auge do poder aos pratos de massa. Só depois do macarrão colorido em forma de gravatinhas (pois isso é um Farfalline) já devidamente cozido e deglutido al dente é que reli melhor – os bons e trabalhadores Zanier (e não há por que presumir que não o sejam) são ilustres no macarrão, não na política, e sua fábrica sequer fica em Veneza.

São as vicissitudes do autêntico – da cidade estufada de turistas aos nomes que se confundem com famílias do passado. O autêntico é elusivo, existe quando não é visto – se é feito para outro ver deixa de ser autêntico – mas então deixa de existir, pois o que não é visto nem divulgado sequer existe, ou quase. E Veneza é talvez a melhor cidade para se discutir autenticidade, pois ao mesmo tempo muito preservada na sua arquitetura e completamente modificada no seu propósito social – antes, comprar e vender temperos – hoje, mostrar a multidões com câmeras celulares como era uma cidade que vivia a vender temperos.

Quanto à família Venier, talvez eles gostassem de macarrão. Ou não – duvido que se importassem em ser autênticos, afinal.

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